terça-feira, fevereiro 18, 2014

É no frio que o calor vem


O vento sopra gelado em um raro momento deste angustiante verão. Suficiente para cortar a pele intangível de minha alma e trazer recordações de mais de uma década aqui guardadas. Era a Lua que eu mais gostava de sentir. Além dos raios de sol e a sombra da noite quieta, banhava-me no brilho das estrelas de seus olhos e a Lua tão presente no teu nome e nos meus pensamentos. Foram poucas as vezes em que senti tamanha força de atração. Devastadora, inquieta, em constante ebulição. Como um vento frio trazer de volta a sensação de estar aqui presente no teu lado há muito ausente, debaixo do calor luminescente que findava a escuridão? Uma ponte muito grande atravessei e um abismo maior ainda nos separa, mas sem nenhum esforço alcanço a outra margem que eu sei, não é miragem! E ali te vejo preso entre a névoa e a escuridão. É estranho recordar, reviver uma emoção que já não sinto e não percebo da mesma forma em meu coração. Por isso eu peço que se vá óh Lua crescente, cubra-se das nuvens e mingue-se bem longe de meu signo, óh Escorpião.

sexta-feira, janeiro 10, 2014

Incandescência



Naquela noite saí a caminhar. Queria ver as luzes incandescentes da cidade acolhedora. As ruas de paralelepípedo que formavam ao mesmo tempo uma textura desordenada e harmônica. Caladas e dormentes, eram acordadas vez ou outra por algum coche velho que passava desafinando. Respondiam em ruídos praguejantes de "Deixe-me dormir, por favor!". Os movimentos nessa hora da madrugada eram lentos e ensaiados. A calmaria era tanta que me fazia voltar pelo menos trinta anos no passado. A cidade estava relaxada. O calor abria as janelas das casas na madugada enquanto a cidade dormia. As luzes de que tanto gostava desenhavam formas na penumbra e faziam das sombras um lugar aconchegante. Do outro lado da rua, uma pequena pracinha de bairro me chamava a atenção. Me oferecia o que precisava: um banquinho de cimento colocado lá só pra mim. Pois atravessei a rua de paralelepípedos e soltei meu corpo cansado e feliz naquele banco curtindo a solidão da cidade dormente. Sentado na primeira fila daquele teatro real, notei que podia ver uma televisão ligada de relance dentro de alguma daquelas casas de janela aberta. Tentei em vão saber o que assistiam naquelas altas horas. Desisti de olhar passando apenas a ouvir a película enquanto encarava um gato de rua soturno de orelha em pé, atento, brincando com algum inseto. Ele se divertia e eu também. Da TV vinham diálogos típicos de alguma cena brega de romance. Um homem e uma mulher faziam juras sussurradas de amor. O filme acabou, desligaram a televisão e a janela fechou. O gato assustou-se e correu para trás de mim, onde havia um parquinho para crianças escondido nas sombras da noite. Haviam outras janelas abertas além daquela, outras vidas privadas, histórias escondidas em cada um daqueles recintos. O chão tremeu quando o trem passou a menos de cem metros dali. Um trem de carga, só podia. A alta madrugada não foi feita para pessoas como eu que nela escolheu viver, no silêncio, na paz e na solidão. O gato assustou-se outra vez. Pelo trem que passou ou talvez pelo meu olhar atravessado em sua direção, já não sei. Era hora de partir. Coloquei meu chapéu, apoiei-me na bengala amiga que carregava comigo já há alguns anos e parti sem rumo novamente em busca de outra praça, outros gatos, outras janelas. O sol ainda demoraria por chegar e ainda podia desfrutar das luzes incandescentes e de suas construções imaginárias nas sombras de minha vida.

quarta-feira, janeiro 08, 2014

Aprendendo a contar



Estava eu uma vez brincando de contar. Limitado em meu universo de cinco números reais e inteiros. Eram cinco dedinhos gordinhos me dando um mundo de possibilidades. Logo depois já estava craque nas duas mãos. Era o dobro, eram dez! Através deles eu sabia pedir, mais ou menos qualquer coisa que quisesse. Um, dois ou três chocolates, um beijo de papai e ainda sobravam mais dois de mamãe. Conseguia contar quantos irmãos tinha, quantos cachorros, gatos e quantas jabuticabas ou laranjas queria chupar. Foi logo depois de escorregar cês e esses de meu nome em um papel pautado na mesinha de centro da sala de casa enquanto assistia o Flash Gordon derrotar os inimigos que mamãe me ensinou a arte de escrever e porque não, de ler também. De la pra cá eu queria mais, muito mais. Queria saber contar os feijõesinhos ágil como a doméstica de casa, minha amada Tota. Queria entender os números das contas do fim do mês, queria ler as letras da máquina de escrever Olivetti de papai. e as legendas das propagandas na tevê. Já na escolinha, percebi que de certa forma os professores nos limitavam de zero a dez. Quão foi minha felicidade quando mudei de escola e as notas não mais variavam de zero a dez mas de zero a cem! Minha alegria durou pouco ao perceber que era só uma questão de vírgula que fazia o 7,5 virar 75. Era tudo a mesma coisa, uma grande mentira. Por quê eu não podia tirar um 745 ? ou um 1024 ? Seria tão mais interessante! Quando aprendi a somar balas e chicletes, ovos e galinhas, ainda achava aquilo tudo muito pouco. Me interessava mesmo era pelo tal infinito. Aquele 8 que de tanto circundar em volta de si mesmo acabava caindo e se estirava de forma cansada e magnífica. Afinal, não era fácil revolucionar tantas e tantas vezes assim para se chegar ao além. O símbolo do infinito era transcendente e me enchia os olhos! Contava os segundos no pique-esconde com os amigos da rua e depois os minutos que faltavam para começar os Trapalhões deitado no colo de meu pai aos domingos. As horas para pode sair da aula e andar de bicicleta nas ruas de terra imaginando as rodas girarem infinitas vezes como um oito deitado comigo em cima. Os dias eu contava para esperar minhas próximas viagens de fim-de-semana visitando minhas tias e primos ou esperando as provas, verdadeiras provações non-sense de que todos somos obrigados a passar tantas e tantas vezes na vida. Os meses contava esperando o aniversário e as férias de fim-de-ano e os anos, ah os anos, era uma incógnita na minha pequena grande cabeça. Existia uma nebulosidade entre a infância e a vida adulta separada por muitas espinhas e questionamentos. Talvez fosse melhor não saber contar. Talvez assim os anos não passassem, nem os dias, nem os meses nem as rugas nem os cabelos caíssem. Talvez parasse nas duas mãozinhas. Já seria mais do que suficiente para conseguir tudo o que eu queria. Mas e a curiosidade onde fica? Eu também queria saber escolher feijões, contar além de números, causos da vida, de uma vida bem vivida. Já não conto mais os cabelos que caíram nem as rugas que chegaram, mas eu conto o canto que cantei. Conto o quanto já amei. Conto quanto eu quiser contar. Contar com a beleza humana, com a sabedoria adquirida. Conto com a dor da despedida, com a saudade bem vivida. Conto com encontros, desencontros e reencontros. Conto com você e acima de tudo conto comigo, aqui bem baixinho com a força de um pensamento, quantas vezes precisar contar, o quanto vale viver, pelos lindos momentos que já tive e hei de ter. Conto com você perto de mim, um amor sem fim que foi do um ao oito e ali parou, rodando, rodando até fazer-se cair derrubando-me junto a ti no infinito do amor, lá quase na dor mas muito, muito além. Distante, suave e errante. Revolucionário.  

Por onde passo



Onde passa o preto gato pisa no branco e corre pelos jardins cintilantes.
Onde brota a planta da terra que João Inácio pisou desconcertante deslizante
Onde pinga o suor de Menelau, clima quente tropical, mato, foice e avante
Onde eu posso sorrir de te ver assim caminhando fundo no horizonte

Onde passa o vendaval, sacudindo o varal voando em roupas saltitantes
Onde o bem virou mal, bem lá no meu quintal, naquele choro agonizante
Onde se ouve o pica-pau, no matagal, terminando num rasante
Onde uma parede de cal, me clareou, minhas lembranças de infante

Quero ver a vida assim, livre de tudo e até de mim
Da liberdade do início ao fim
Pra lá que eu vou, não volto mais
Venha também viver em paz

Chove tudo! Chove o temporal.
Molha a face, me destempera, me tira o sal
Me purifica, me traz a luz ao seu final
Daquele céu iluminado que vem depois
Daquelas cores o avermelhado, o azul e o verde-mar
Pinte a minha vista o quadro mais lindo e natural
Faça sua obra-prima ao meu deleite casual
Eu paro nesse instante e dele eternizo
Todo olhar, toda visão, todo amor que ainda guardo em mim.

terça-feira, janeiro 07, 2014

Um lugar para estar só


Às vezes almejo apenas o silêncio. Solitário e eficaz, ele ali em estado bruto. Sem "esses" nem plural, sem eles nem elas nem nós. Apenas eu. Eu, meu, teu ou seu. mas único, atômico, elemental.
O desejo é tanto que quando se faz presente nem ele almejo mais, caindo no risco da contradição de ser pego no auge da cacofonia cafona. Então eu puxo a cabeça das nuvens e enterro os pés no chão passando a proferir a monotonia dos sons tântricos e então me acalmo, me aquieto e ali de olhos abertos nada mais vejo senão a mim. E então percebo que o silêncio se difere muito da mudez. Que ali dentro minha alma gritava o nome teu, dela e dos demais, inclusive o meu. Mas ria, chorava, pulava, rodopiava, tudo ao mesmo tempo. Aquele objeto do desejo primordial, tão difícil de encontrar deixava de ser lenda e passava a ser lembrança e depois miragem e depois real à medida em que ia apagando você, ele, ela e por fim eu. No limiar do inexistir, ali apareci e fiquei.

segunda-feira, janeiro 06, 2014

SP-BA-BR


Fui buscar nos bons ares de Buenos Aires um amor porteño disfarçado de Planalto Central. Aquele amor impossível, compreendido pela corrupção incorruptível e nascido nas terras do colarinho branco, de um Genuíno chapéu Carlos Gardel. Um verdadeiro tango verde-amarelo derretido, escorrendo entre meus dedos e teus anéis, sabor dulce-de-leche granizado.
Embaixo daquele sol escaldante, borbulhava o caldeirão de Mafalda em fórmulas mágicas, receitas antigas da atração. Meu triângulo não era mineiro. Ele ligava o São Paulo desvairado a mi Buenos Aires querida e esta,  já conectada à misteriosa cidade-obra Niemeyer.
A revolução dos dedos mágicos que giraram, giraram tanto que o 13 virou 14 e ali ficou esperando, aguardando, desejando. Pousou na memória, decolou na história. Acendeu a tocha olímpica que agora percorrerá milhares de quilômetros com destino à disputa dos jogos que bate tum-tum contra tum-tum, disputa acirrada e sem limites, onde se ganha-ganha e só perde quem quiser perder.